Londres, 12 de junho de 2025 — O que deveria unificar a regulação cripto na Europa acabou revelando uma nova divisão. O MiCA, marco regulatório criado para nivelar o setor entre os países da União Europeia, está sendo aplicado de forma desigual — e isso abriu um novo flanco de vulnerabilidade.
Alguns países seguem à risca os critérios estabelecidos. Outros, no entanto, parecem estar abrindo as portas com menos rigor, acelerando licenças e atraindo empresas que buscam atalhos regulatórios. O que era para ser uma proteção ao investidor virou um campo minado de estratégias oportunistas.
O MiCA estabelece critérios para combater lavagem de dinheiro, financiar o terrorismo, garantir segurança de TI e estabilidade financeira. Uma vez aprovada, a licença permite acesso irrestrito ao mercado europeu. Isso abriu espaço para empresas buscarem aprovação em países mais “flexíveis” — o que, segundo especialistas, pode alimentar uma corrida para o fundo do poço.
Países como Alemanha e Holanda seguem à risca, mas outros, como Malta, estão no centro das críticas. A pequena ilha mediterrânea foi acusada de liberar licenças antes mesmo da implementação completa do MiCA. A Autoridade dos Mercados Financeiros da França (AMF) já alertou sobre o risco de “aprovações apressadas”, e o regulador europeu ESMA iniciou uma revisão entre os pares.
A prática começa a afetar decisões de gigantes do setor. A OKX, que prometia fazer da França sua base europeia, acabou escolhendo Malta. A Gemini, que mirava a Irlanda, fez o mesmo. “Malta abriu o processo meses antes dos outros”, explicou Mark Jennings, chefe europeu da Gemini, destacando o engajamento proativo da MFSA.
Enquanto isso, a França só agora concedeu sua primeira licença sob o MiCA — para a fintech Deblock — em meio a críticas pelo processo considerado lento. Mas os franceses defendem o modelo, que permite mais tempo de preparação e uma transição até junho de 2026.
Para alguns, isso tem um custo alto. Tangi Le Calvez, da GOin, gastou cerca de 1 milhão de euros para obter sua licença francesa, modelo para o próprio MiCA. Muitos, segundo ele, não terão fôlego para seguir o mesmo caminho.
E o que está em jogo não é pouco.
Com gigantes como EUA e Dubai cada vez mais presentes, o temor é que as empresas europeias fiquem para trás. Claire Balva, diretora de estratégia da Deblock, faz um alerta direto: se os países não falarem a mesma língua dentro do MiCA, a Europa pode acabar cedendo sua infraestrutura financeira a players de fora. É a soberania digital escorrendo por entre os dedos.
A promessa de um mercado forte e coeso pode se transformar num sistema vulnerável. Se não houver alinhamento real entre os membros do bloco, o MiCA — que nasceu para proteger — pode ser justamente a brecha por onde o controle escapa.